O atual cenário do Regime Próprio da Previdência e os futuros riscos. Por Paulo Lindesay.

São processos encadeados, com um único objetivo: mediante o esmagamento do orçamento primário e a degradação do serviço público, garantir, pelo estrangulamento contínuo das despesas e investimentos governamentais de interesse para a população, lucros crescentes e vitalícios ao grande capital financeiro rentista e às grandes corporações transnacionais e nacionais, a partir da sua principal ferramenta – a dívida pública

Imagem: SindJustiça,mobilização em 2018

Por Paulo Lindesay.

No início da década de 1990, no governo Collor de Melo, iniciou-se o programa de privatização do parque estatal brasileiro. O discurso dos presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique, debaixo de forte pressão do governo norte-americano, era que “precisávamos privatizar as estatais para pagar a Dívida Pública”. Assim, grande parte do patrimônio público brasileiro foi privatizada. Contudo, o estoque da Dívida Pública Federal e dos Estados não diminuiu. Pelo contrário, seguiu uma trajetória de crescimento.

Além disso, não houve, no período, qualquer melhoria na qualidade de vida da população brasileira e investimentos novos substantivos na infraestrutura econômica desde o governo Fernando Henrique. Ficou caracterizado que a Dívida Pública, sem qualquer contrapartida de investimentos na economia, serviu apenas para garantir lucros crescentes e vitalícios ao grande capital financeiro rentista e às grandes corporações que o manipulam.

Os ataques ao Regime Previdenciário vêm de longe. Em 1998, no governo FHC foi aprovada a Emenda Constitucional n0 20, que modificou o sistema da previdência social e estabeleceu norma de transição e outras medidas.  Aqui nasce a vedação a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição – dois cargos de professor, de um cargo de professor com outro técnico ou científico, e de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde. Além disso, também é permitida a acumulação de cargos de magistério com o de juiz.<

No governo FHC dois importantes pilares em benefício do grande capital financeiro rentista e das grandes corporações privadas, contra interesses nacionais, foram iniciados. O primeiro pilar iniciou sua discussão em 1999 com a PEC 53 alterando o artigo 192 da Constituição Federal. Sendo convertida na Emenda Constitucional n0 40, no governo Lula. Ela acabou com as amarras constitucionais do sistema financeiro nacional, revogando todo o conteúdo do artigo 192 da Constituição, e mantendo somente o preâmbulo do artigo que limitava, no Brasil, juros reais acima de 12% a.a., após aprovação de uma lei complementar.

O segundo pilar foi a Emenda Constitucional n0 41, a reforma da Previdência Social do governo Lula. Ela acabou com a paridade e integralidade nas remunerações e benefícios (aposentadoria e pensão) dos servidores públicos federais. A partir desse período, esses servidores, admitidos por concursos públicos, aposentaram-se com a média aritmética simples das 80 maiores remunerações. Além disso, a emenda impôs contribuições previdenciárias aos aposentados e pensionistas com benefícios acima do teto do INSS. Hoje, após o aumento do salário-mínimo, de R$ 8.157,41.

Os ataques ao Regime de Previdência Própria Social (RPPS) dos servidores públicos federais não se resumiram a isso. Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff, sob o argumento de déficit previdenciário, aprovou a lei n0 12.618, instituindo a Previdência Complementar para os servidores (as) públicos admitidos a partir de 2012. Trata-se de um regime com contribuição solidária, até o teto do INSS. Acima desse valor, a contribuição previdenciária passa a ser individual, com valor definido e benefício incerto, que dependerá do resultado das aplicações financeiras do patrimônio do FRUNPRESP no mercado financeiro, em favor do mercado.

O patrimônio desse fundo, administrado pelos bancos, acumulou até março de 2025 cerca de
R$ 11,880 bilhões, totalmente investido no mercado financeiro, principalmente em títulos da Dívida Pública Federal.   Para piorar, o governo Bolsonaro possibilitou que qualquer servidor público federal, admitido antes de 2013, pudesse aderir à Previdência Complementar. Alguns desavisados aderiram a essa armadilha. Em março de 2025, o número total de participantes do FRUNPRESP alcançou cerca de 115.400 servidores (as), concursados ou não.

Outra armadilha armada para os servidores públicos federais do RPPS, de acordo com lideranças sindicais dos funcionários, foi a migração do RPPS para se aposentar pelo RGPS, recebendo uma média de benefícios reajustada pelo IPCA, mas sem paridade e integralidade nas carreiras. Havendo as reestruturações das carreiras públicas federais, esses servidores serão excluídos.

No Boletim de Estatística de Pessoal, vê-se que a quantidade de servidores públicos federais, em março de 2025, caiu para 1.214.255, sendo 570.590 servidores ativos do RJU (Regime Jurídico Único). Desse total, cerca de 115.400, ou 20,20%, estão sob regime previdenciário híbrido (RPPS/FRUNPRRESP).   Até o teto do INSS, como já mencionado, a contribuição é solidária. Acima disso, passa a ser individual, pela previdência complementar.  Essa tende ao crescimento, em função dos próximos concursos públicos. Os demais vínculos: aposentados – 412.386 e pensionistas – 231.279.

Isso significa que haverá problemas atuariais no Regime Próprio de Previdência Social, como citado na Emenda Constitucional n0103/2019 do Governo Bolsonaro. Consequentemente, poderá haver problemas nos pagamentos dos benefícios dos servidores públicos no RPPS. É que, com a redução do fundo previdenciário próprio, quem vai financiar as atuais e futuras aposentadorias e pensões?

Entre 2020 e março de 2025, em pouco mais de 63 meses, o Poder Executivo Federal perdeu cerca de 48.468 servidores (as) públicos. Tem possibilidade de incorporar mais de 68.088 servidores (as) ao vínculo de aposentados, nos próximos anos, por se encontrarem em Abono de Permanência. Além disso, perderá funcionários por conta do avanço tecnológico com o governo digital, a inteligência artificial e as plataformas eletrônicas, abrindo caminho para as contratações de servidores temporários para funções permanentes do Estado.

Sem considerar o julgamento do STF da ADI 2135, que desobrigou os entes federativos (União, Estados e Municípios) a admitirem, mesmo por concursos públicos, servidores públicos pela
lei n0 8112/1990. O atual Regime Jurídico Único (RJU).  Além da possível aprovação da PEC 32, a reforma administrativa constitucional, proposta pelo governo Bolsonaro, que foi aprovada na comissão especial e poderá ser levada à votação no plenário do Congresso Nacional.

Não parou aí, o governo federal estuda uma proposta de reforma administrativa infraconstitucional, por várias medidas infralegais. Inclusive, uma comissão do MGI e CGU está estudando o decreto-lei n0200/1967. A primeira reforma administrativa do governo militar, para apresentar em 2025, um projeto de reforma administrativa infraconstitucional. O que poderá retornar ao Estado loteado das décadas de 70, 80 e 90. Abrindo espaço para criações e contratações pelas fundações públicas de direito privado.

Com isso, tende a aumentar a precarização na administração pública federal, especialmente no atendimento direto ao cidadão comum, com o que o Estado retornará à condição de espaço público loteado das décadas de 60 a 90 do século passado, cuja gestão fica distribuída entre vários atores públicos e privados. Com isso, apresenta-se como mero subsidiário (financiador) de políticas públicas e projetos sociais executados pela iniciativa privada lucrativa.

A presidenta Dilma Rousseff, em 2015, aprovou a lei n013.135, alterando o recebimento do benefício de pensão dos servidores públicos federais que tinha caráter vitalício, independentemente da idade dos beneficiários. O direito à percepção de cada cota individual cessará diante de várias condições. Uma delas, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 contribuições mensais, ou o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de dois anos antes do óbito do segurado.

Diante disso, a maior parte das pensões será paga às mulheres.   Assim, nos intervalos colocados na lei n013.135/2015, aos 43 anos a pensionista receberá o benefício de pensão por 20 anos. Isso significa afirmar que, aos 63 anos, essa pensão cessará. Como uma pensionista, com idade avançada, poderá conseguir uma colocação no mercado de trabalho? Apenas as pensionistas, com idade acima de 44 anos, inclusive, terão direito à pensão vitalícia.

Outra iniciativa importante em direção à precarização dos serviços públicos, mas com efeitos para a sociedade em geral, foi a aprovação, no governo Temer, da Emenda Constitucional
n0 95/2016 – Denominada Emenda do Teto de Gasto, ou PEC do fim do mundo, conforme passou a ser chamada pelos seus críticos. Ela limita o crescimento das despesas primárias do orçamento federal à atualização pelo IPCA do ano anterior.

É de se destacar que, entre 2015 e 2016, o PIB do Brasil caiu quase 8%. Portanto, foi sob a égide das despesas primárias rebaixadas que começou a ser aplicada a emenda do fim do mundo. Mas, como já visto, não há nenhuma limitação aos gastos financeiros para pagamento do serviço da dívida pública federal. Estão garantidos o privilégio de pagamento e a sustentabilidade da dívida, constitucionalmente (Art. 166, parágrafo 3, inciso II, alínea “b”).

Em 2019, Bolsonaro foi eleito, e com ele viabilizou-se uma reforma da Previdência Social tentada, mas não realizada, por Michel Temer. A reforma trouxe vários prejuízos para a classe trabalhadora, principalmente aos servidores públicos nas três esferas de governo. Houve mudança nas idades das aposentadorias, alteração no recebimento do benefício de pensão (limitada a 50% da remuneração pelo instituidor da pensão), etc.

Pelas alterações dos artigos 40 e 149 da Constituição Federal, avançou o projeto de precarização e ataques aos servidores públicos e ao Regime Próprio de Previdência Social.
Criou-se o regime de previdência complementar para servidores públicos ocupantes de cargo efetivo, observado o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social para o valor das aposentadorias e das pensões em regime próprio de previdência social.

Aqui, com a simples introdução do verbo instituirão, a Previdência Complementar deixa de ser uma opção dos entes federados e passa a ser uma obrigação. No caso do Abono de Permanência fica limitado até a contribuição previdenciária, deixando de ser a contribuição previdenciária integral para ser um valor até, no máximo, igual à contribuição integral. Tudo isso será definido por lei dos respectivos entes federativos.

Fica revogado da Constituição Federal o parágrafo 21 do artigo 40, que garantia o direito à isenção da contribuição previdenciária aos aposentados com deficiência, até dois tetos do INSS. Isso levou alguns servidores públicos nessa condição a contribuírem para a Previdência Social até o teto do INSS. Além de vedar a existência de novos regimes próprios de previdência social, criando requisitos para sua extinção e migração para o Regime Geral de Previdência Social.

O governo Bolsonaro, prevendo o déficit atuarial no Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos, realizou alterações no artigo 149 da Constituição Federal. No parágrafo 10, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de Previdência Social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões.

Não parou aí. No parágrafo 10-A, prevê-se que, quando houver déficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo.

No parágrafo 10-B, persistindo o déficit atuarial, para equacioná-lo é facultada a instituição de contribuição extraordinária no âmbito da União por parte de servidores públicos ativos, aposentados e pensionistas.

Persistindo ainda assim o déficit atuarial, será assinado, simultaneamente com outras medidas, um verdadeiro cheque em branco na Constituição Federal, com risco enorme para o Fundo Próprio de Previdência Social dos servidores. De fato, observa-se que a criação da Previdência Complementar (FRUNPRESP) e a Reforma da Previdência Social de Bolsonaro pavimentaram o caminho para a destruição do Regime Próprio de Previdência Social e do Regime Geral da Previdência Social.  Criou-se total incerteza para as futuras aposentadorias da Previdência Complementar dos servidores federais, já que 100% do patrimônio da fundação, de cerca de
R$ 11,880 bilhões, como dito acima, está aplicado sob a tutela do sistema bancário e das grandes corporações.

A mobilização em torno do apensamento da PEC 6/2024 (PEC Social) à PEC 555/2006 tem ganhado força no Congresso Nacional e nas representações dos servidores públicos. Mas será que esse apensamento é a solução definitiva para resolver o problema das aposentadorias atuais e futuras nos serviços públicos? Diante das alterações constitucionais dos artigos 40 e 149, parece-me insuficiente. A única solução duradoura seria a revogação da Reforma da Previdência de Bolsonaro.

A Emenda Constitucional n° 126/2023 autorizou que a lei complementar
n0 200/2023 pudesse instituir o Novo Arcabouço Fiscal. Seu pilar central é a sustentabilidade da dívida pública, e não garantir investimentos em políticas públicas ou em investimentos diretos na infraestrutura do Estado. Para manter a sustentabilidade da Dívida Pública, o governo precisa desidratar o orçamento primário da União. Dessa forma, sobrará mais dinheiro para sustentar os lucros crescentes e vitalícios do grande capital financeiro rentista e das grandes corporações.

A Medida Provisória 1286/24 traz reajustes salariais de 2025 e 2026 para 38 categorias de servidores públicos federais. Não é simplesmente um aumento de remuneração. É, de fato, uma reestruturação de carreiras e uma parte da reforma administrativa infraconstitucional, sendo mais uma etapa da transformação do Estado, segundo a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, que apresentou numa live as linhas gerais da medida provisória. Após a sanção e publicação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), no dia 30 de dezembro 2024, o governo Lula, no dia seguinte, editou a Medida Provisória n0 1286 que garantirá a retroatividade do reajuste a janeiro de 2025, após a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA/2025).

No dia 2 de fevereiro de 2025, o Congresso Nacional retornou do recesso parlamentar. Depois de vários acordos entre o Congresso e o governo Lula, no início de abril foi votada e aprovada a LOA/2025. Sancionada no dia 10 de abril de 2025 pelo governo Lula. O que possibilitou o pagamento dos retroativos entre janeiro e março de 2025. Recebido em maio referente à folha salarial de abril.

O problema é que uma Medida Provisória tem validade por 60 dias, estendida por mais 60 dias, totalizando 120 dias. A sua tramitação iniciou em 02 de fevereiro de 2025. Em 02 de abril, finalizou o primeiro período e, no dia 02 de junho de 2025, finalizará o último período. Se a MP n0 1286/2024 não for aprovada até essa data, ela perde a sua validade. Diante desse cenário, o governo, temendo a continuidade dos pagamentos dos reajustes salariais, propôs o projeto de lei n0 1466/2025, com urgência urgentíssima, para garantir a continuidade dos recebimentos dos reajustes. O grande problema que preocupa o governo Lula é que o centrão e a extrema-direita detêm a maioria dos votos para aprovação. Diante desse problema, as representações sindicais e os servidores (as) precisam se movimentar para pressionar os parlamentares a garantirem a continuidade do nosso reajuste.

Pode-se concluir que os efeitos do “arcabouço legal” aprovado ao longo das décadas pelos governos de plantão no Palácio do Planalto são tão nefastos aos serviços públicos e aos servidores quanto à maioria da população brasileira. Não se pode deslocá-los do “arcabouço legal” aprovado pela reforma administrativa constitucional proposta pelo governo Bolsonaro, PEC 32, e nem das alterações infraconstitucionais, pautadas pelo governo Lula.

São processos encadeados, com um único objetivo: mediante o esmagamento do orçamento primário e a degradação do serviço público, garantir, pelo estrangulamento contínuo das despesas e investimentos governamentais de interesse para a população, lucros crescentes e vitalícios ao grande capital financeiro rentista e às grandes corporações transnacionais e nacionais, a partir da sua principal ferramenta – a dívida pública.

Paulo Lindesay, Coordenador da Auditoria Cidadã/Núcleo RJ e Diretor da Assibge-SN em captura de tela.

 

 

 

 

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