
Por Francisco Fernandes Ladeira.
Desde a contraofensiva da resistência palestina no sul do Estado de Israel, em 7 de outubro de 2023, a chamada “Questão Palestina” tem dominado a agenda pública global. No Brasil, este acontecimento fez com que, pela primeira vez, uma pauta internacional estivesse presente nas principais conversações cotidianas, independentemente de classe social, escolaridade ou quaisquer outros condicionantes.
Diferentes setores dos espectros políticos têm debatido a Palestina. Para o campo progressista, a resistência do povo palestino representa a causa que unifica todos os povos oprimidos do planeta. Para a extrema direita neopentecostal, o Estado de Israel é condição sine qua non para a volta do Messias, a despeito de os judeus não reconhecerem Jesus enquanto tal.
Na mídia hegemônica, a geopolítica palestina é representada a partir de um viés nitidamente pró-Israel. Os colonizadores/agressores sionistas são vistos como vítimas; só estão se defendendo dos “terroristas” do Hamas. Nessa lógica, o povo palestino – sob ocupação e vítima de genocídio – é visto como causador daquilo que chamam de “conflito Israel-Palestina”. O direito ao contraditório, princípio básico do jornalismo, é sumariamente desrespeitado.
Diante desse contexto (des)informacional, muitos estudantes do ensino básico veem seus professores – sobretudo na área de Humanas – como fontes confiáveis para entender a geopolítica palestina. Nesse sentido, a Geografia se apresenta como uma disciplina auspiciosa para esta tarefa. Seus conceitos-chave – espaço, paisagem, lugar e território – nos oferecem um importante ponto de partida.
Tal como seu similar nazismo, o sionismo está ligado a uma noção de espaço vital. Em sua vertente clássica, trata-se de toda a Palestina histórica, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Assim, é desconsiderada a presença na região de seus habitantes indígenas: os palestinos. Não por acaso, o slogan sionista era “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Já o sionismo revisionista – vertente compartilhada pelo atual partido no poder em Israel – tem maiores pretensões espaciais. Reconstruir a (suposta) antiga Eretz Yisrael (Terra de Israel), que se estenderia desde o rio Nilo, no Egito, até o rio Eufrates, no Iraque.
Para sustentar essa ambição israelense, são fundamentais os roubos, ocupações e controle dos territórios palestinos. Em Geografia, o conceito de território se refere ao espaço marcado por relação de poder. Tal poder pode ser exercido de maneira remota, como no caso da “prisão a céu aberto de Gaza”; ou via assentamentos, realizado na Cisjordânia. Também vale lembrar que a ação da resistência palestina, citada no início deste texto, ocorreu em um território palestino ilegalmente ocupado por Israel.
Ainda na ciência geográfica, “lugar” diz respeito às relações de pertencimento e identidade com o espaço. No caso do povo palestino, o apego milenar à sua terra, ao “lugar”, que se confunde com sua própria existência, explica o porquê da resistência a um processo de limpeza étnica que dura oito décadas. Isso desconstrói o mito sionista de “uma terra sem povo”.
Do mesmo modo, até o surgimento do movimento sionista, os judeus/europeus, fundadores de Israel, não eram considerados como um “povo”, no sentido étnico-nacional. Constituíam somente uma comunidade com certas tradições, calcadas, principalmente, na crença religiosa. Não aspiravam se organizar politicamente em um Estado Nacional, com seu próprio território.
Além das tentativas de apagar a milenar História palestina, o sionismo, para sustentar sua falsa narrativa, também buscou eliminar a Geografia palestina. Desse modo, Tel Aviv substituiu a paisagem natural palestina por uma nova paisagem, que remetia a (suposta) antiga Israel.
No entanto, em realidade, o que ocorreu não foi nada mais do que levar determinadas espécies vegetais da Europa para introduzi-las no Oriente Médio. Se, por um lado, essa nova paisagem – que, em Geografia, diz respeito à apreensão do espaço via órgãos do sentido – foi importante para consolidar o mito de fazer o deserto florescer; por outro lado, essa invasão de espécies alhures causou grave desequilíbrio ambiental.
Na ciência geográfica, não é recomendado analisar a paisagem apenas pelo que é visto, a aparência. É preciso ir além da descrição, abordar sua essência. No tocante à paisagem israelense, ela sustenta todas as mentiras sionistas de um suposto “direito divino” sobre a Palestina: a Terra Prometida.
Evidentemente, os conceitos aqui apresentados são insuficientes para dar conta da complexidade que envolve a geopolítica palestina. Outras temáticas, trabalhadas pela Geografia, podem ser citadas sobre esta questão, como a importância hídrica das Colinas de Golã (território que Israel usurpou da Síria), a apropriação sionista de terras férteis, a pirâmide etária da Faixa de Gaza – em que os jovens são metade da população e a longevidade está em queda – e o conceito de “migração forçada” – utilizado para estudar a Nakba, quando aproximadamente 700 mil palestinos fugiram ou foram expulsos de seus lares pelas forças sionistas, para que, consequentemente, Israel atingisse a almejada maioria demográfica.
Também os conhecimentos geográficos são insuficientes. Se não quisermos ficar nos mesmos reducionismos e fragmentações das representações midiáticas, devemos conceber a geopolítica palestina a partir de uma abordagem interdisciplinar. Isso não significa que os conceitos-chave da Geografia não possam oferecer aos professores dessa disciplina uma possibilidade de introduzir em sala de aula a questão palestina. Debate este que, a meu ver, é de suma importância para nosso entendimento sobre o mundo contemporâneo e suas contradições.
Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
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